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Nomes da história intercultural em contextos euro-brasileiros
Jean Baptiste Debret (1768-1848)
Nasceu no dia 18 de abril de 1768 em Paris. Sua família tinha tradição artística: seu tio-avô fora Fançois Boucher (1703-1770), gravador e pintor, seu primo era Jacques-Louis David (1758-1825) e o seu irmão, François Debret (1777-1850), seria arquiteto. Estudou no renomado Liceu Louis-Le Grand.
Em 1784/85, viajou a Roma com Jacques-Louis David e iniciou os seus estudos de pintura na Academia de Belas Artes. Em 1791, alcançou o segundo lugar no concurso para o Prêmio de Roma. Em 1793, o govêrno nomeou-o professor de Desenho; participou do Salão e, em 1798, passou a participar das exposições no Louvre. Ao lado de pinturas com temas da história antiga, realizou trabalhos documentais da história contemporânea sob Napoleão, fixando vários acontecimentos histórico-políticos. Também dedicou-se a retratar costumes de outros povos, tal como na série de gravações de costumes italianos, realizada em 1809.
O ano de 1815 trouxe graves modificações na sua vida, devido às mudanças políticas com o fim da era Napoleão e a problemas familiares. A convite de J. Lebreton, associou-se aos artistas que vinham ao Brasil. Embarcou no dia 22 de janeiro de 1816. A 12 de agosto desse ano, criou-se a Real Escola de Ciências, Artes e Ofícios, posteriorimente Academia Real de Belas Artes. Debret passou a lecionar Pintura Histórica, atuando também como cenógrafo no Teatro São João. Realizou obras histórico-documentais de acontecimentos contemporâneos e participou de ornamentações públicas para a aclamação de D. João VI. Em 1827, realizou, na comitiva de D. Pedro I°, uma viagem ao Sul do Brasil. Deu inicío, em 1829, aos salões brasileiros na Academia Imperial de Belas Artes. Entre os seus alunos, salientaram-se Manuel de Araújo Porto-Alegre e Simplício Rodrigues de Sá. Em 25 de julho de 1832, retornou a Paris.
Debret marcara profundamente a imagem e a própria identidade da nação, uma vez que idealizou as cores nacionais, comendas, uniformes e ornamentações. Após o seu retorno, dedicou-se a redigir e publicar a monumental obra Voyage pittoresque et historique au Brésil (Paris: Firmin Didot, 1834-39). Em 1834, foi nomeado para o Instituto Histórico de Paris. Em 1840, tornou-se membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
O próprio Debret, em carta dedicatória de sua obra aos membros da Academia de Belas Artes do Instituto de França, expôs as circunstâncias de seu trabalho no Brasil e seus objetivos. Valendo-se do título de correspondente da Academia no Rio de Janeiro, escrevera uma obra que deveria antes de mais nada lembrar ao mundo intelectual que o Brasil deveria ao Instituto de França a sua Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. Lembrava que o embaixador português em Paris, impressionado com o êxito da Academia do México, em troca de idéias com Humboldt, desenvolvera a idéia de criar uma Academia brasileira. Em 1815, Le Breton, seu amigo, tivera a coragem de realizar o projeto juntamente com Taunay, também colega do Instituto. Nessa expedição, coubera a Debret representar a pintura histórica. Tentou realizar essa obra como historiador fiel, reunindo documentos relativos aos resultados dessa "expedição pitoresca, totalmente francesa".
Em 1939, o espólio de Debret foi adquirido por Raymundo Ottoni de Castro Maya. Em 1940, publicou-se a tradução dos dois volumes da Viagem pitoresca, na série Biblioteca Histórica Brasileira (São Paulo: Martins). Em tradução e notas de Sérgio Milliet, publicou-se, em 1978, em dois volumes da coleção Reconquista do Brasil, em cooperação com a editôra da Universidade de São Paulo, uma edição que muito contribuiu para a ampla divulgação da Viagem pitoresca. Exposições dos Museus de Castro Maya representaram os principais eventos, no Brasil, relacionados com a obra gráfica e pictórica de Debret. Iniciativa de extraordinário significado foi a publicação, em 2006, do Caderno de Viagem de Debret, conservado na Biblioteca Nacional de Paris (Rio de Janeiro: Sextante)
[Excertos de trabalhos]
Pintura histórica, imagem da cultura e organologia
Texto simplificado para discussões no I° Forum Brasil-Europa, Leichlingen, 1983 e da Semana Alemanha-Brasil de Música sob a direção de A.A.Bispo
(Excertos, em tradução do alemão)
Principais datas dos estudos concernentes a J.B. Debret no âmbito da A.B.E. 1975. À procura de vestígios de Debret. Paris 1983. Semana de Música Franco-Alemã do Forum Brasil-Europa 1998. 150 anos da morte de Debret. Música no encontro de culturas. Universidade de Colonia 2002. Europa e o universo sonoro indígena. A.B.E. Indicações bibliográficas: Debret, Jean Baptiste. Voyage pittoresque et hitorique au Brésil. Paris: Firmin Didot, 1834-1839 Debret, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Martins, 1940 Debret, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Trad. e notas de Sérgio Milliet. 2 vols. Belo Horizonte: Itatiaia; S. Paulo: Universidade de S. Paulo, 1978 (Reconquista do Brasil, 56 e 57) Mathias, Herculano Gomes. Debret. A viagem pitoresca e histórica ao Brasil, todas as ilustrações originais devidamente explicadas. Rio de Janeiro: Ouro, 1980 Almeida Prado, J. F. J. B. Debret, quarenta aquarelas inéditas do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. São Paulo: Nacional, 1970 Jean-Baptiste Debret. Caderno de Viagem. Texto e organização de Júlio Bandeira (pesquisa: L. Werneck). Rio de Janeiro: Sextante, 2006 Antonio Alexandre Bispo
Principais datas dos estudos concernentes a J.B. Debret no âmbito da A.B.E.
1975. À procura de vestígios de Debret. Paris
1983. Semana de Música Franco-Alemã do Forum Brasil-Europa
1998. 150 anos da morte de Debret. Música no encontro de culturas. Universidade de Colonia 2002. Europa e o universo sonoro indígena. A.B.E.
Indicações bibliográficas:
Debret, Jean Baptiste. Voyage pittoresque et hitorique au Brésil. Paris: Firmin Didot, 1834-1839
Debret, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Martins, 1940
Debret, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Trad. e notas de Sérgio Milliet. 2 vols. Belo Horizonte: Itatiaia; S. Paulo: Universidade de S. Paulo, 1978 (Reconquista do Brasil, 56 e 57)
Mathias, Herculano Gomes. Debret. A viagem pitoresca e histórica ao Brasil, todas as ilustrações originais devidamente explicadas. Rio de Janeiro: Ouro, 1980
Almeida Prado, J. F. J. B. Debret, quarenta aquarelas inéditas do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. São Paulo: Nacional, 1970
Jean-Baptiste Debret. Caderno de Viagem. Texto e organização de Júlio Bandeira (pesquisa: L. Werneck). Rio de Janeiro: Sextante, 2006
(...)
De excepcional importância na história cultural e científica do Brasil foi a vinda da "Missão Artística Francesa", em 1816, a convite do Príncipe Regente D. João. Impressionado com o êxito da Academia do México, o Marquês de Marialva, D. Pedro de Menezes, embaixador português em Paris, após troca de idéias com Humboldt, manifestou o desejo de criar uma Academia Brasileira. A comitiva, chefiada por Le Breton, secretário perpétuo da classe das Belas Artes do Instituto de França, era constituída por Jean Baptiste Debret, pintor de história, pelos dois irmãos Taunay, respectivamente paisagista e estatuário, por Grand-Jean de Montigny, arquiteto, por Pradier, gravador em talha, por Sigismund Ritter von Neukomm, compositor austríaco, e por Ovide, professor de mecânica. Apesar do significado histórico-musical de S. von Neukomm, vindo mais tarde com o Duque de Luxemburgo, enviado extraordinário da Côrte de França ao Brasil, em 1817, inclusive pelo fato de ter composto obras com temas populares do país, cabe, porém, neste contexto, dedicar maior atenção a J. B. Debret (1768-1848).
Documentação etnográfica e pintura histórica
Nos seus 16 anos de permanência no país, Debret fixou não apenas cenas de alto interesse histórico-cultural da vida popular, referindo-se à música de barbeiro, à música nos templos, ao canto de ciganos e a instrumentos musicais indígenas.
H. Baldus resumiu o seu julgamento a respeito de Debret à frase: "contém alguns dados interessantes ao lado de muitas inexatidões e generalizações injustificáveis". (H. Baldus, Bibliografia crítica da Etnologia Brasileira, São Paulo, 1954, 197-8) Essas palavras, porém, parecem ser por demais críticas e baseadas numa avaliação dos dados de interesse etnológico da obra de Debret a partir de critérios inadequados. O fato extraordinário de que objetos e, no caso, instrumentos musicais indígenas terem recebido a atenção de um artista e professor responsável pela disciplina "Pintura Histórica" na Academia no Brasil deve ser avaliado dentro do contexto das concepções que se prendiam a esse ramo das artes na França.
A Pintura Histórica adquirira alto significado na época da juventude e formação de Debret, bastando aqui lembrar da obra de um J. L. David (1748-1825), seu primo, não apenas pelo seu interesse pela representação de cenas da História Antiga em orientação classicista como pelas suas obras de glorificação da história contemporânea do Império napoleônico e pelos seus retratos caracterizadores da vida do homem no seu tempo. A Pintura Histórica não servia apenas à documentação por assim dizer imparcial de momentos da vida da nação e do homem na sua época, mas sim também ao estabelecimento de uma visão histórica com intuitos morais e políticos. Para um país como o Brasil, em anos imediatamente precedentes à sua independência, a determinação de uma própria imagem histórica adquiria importância fundamental. É nesse contexto histórico-artístico, portanto, que devem ser apreciados os aportes iconográficos de Debret, também aqueles concernentes à cultura indígena. Debret teve a declarada intenção de agir como historiador fiel, reunindo na obra documentos relativos aos trabalhos realizados na época da Missão Artística. Esses documentos eram tanto resultados de sua observação de acontecimentos e da vida quotidiana como também de materiais que procurou colecionar. Graças ao hábito de observação, natural em pintor de história, foi levado a apreender espontaneamente traços característicos dos objetos. Como professor, teve a oportunidade de manter, por intermédio de seus alunos, relações com diversas regiões do Brasil, obtendo documentos necessários para que pudesse aumentar a sua coleção particular. A sua Voyage pittoresque et historique au Brésil, em dois tomos, o primeiro contendo dois volumes, lançados entre 1834 e 1839, foi dedicada ao Institut de France, uma vez que esta instituição tinha como objetivo colecionar descobertas científicas e aperfeiçoar as ciências e as artes, tendo sido modêlo para a Academia no Brasil.
Imagens do índio como "homem natural"
O primeiro volume, após breve considerações históricas, trata sobretudo do índio. Debret, que herdara de seu pai interesse tanto pela História Natural como pelas Artes, via o índio como "homem da natureza". No homem em estado natural, apesar de seus meios intelectuais vistos como rudimentares, encontrar-se-ia em estado incipiente tudo o que o espírito humano teria concebido como idéias filosóficas elevadas, admiráveis ou não. No selvagem, essas potencialidades seriam aplicadas de acordo com os impulsos do instinto ou da inspiração.
Apesar do contraste de maneiras com o homem civilizado, já se encontrariam no índio segundo Debret certas idéias elementares, vícios e virtudes que constituiriam o caráter social do homem civilizado: o amor à propriedade e a coragem de defendê-la, a irritabilidade do amor próprio ofendido e os ardís resultantes do desejo de vingança.
Do texto de Debret depreende-se que essas idéias a respeito da existência de qualidades do homem civilizado no índio também influenciavam as considerações do autor a respeito dos instrumentos musicais. Assim, o amor às distinções nos chefes e o desejo de aterrorizar o inimigo se manifestariam, por exemplo, no uso dos ossos para a confecção de instrumentos de sopro, empregados na guerra e ornamentados com os cabelos dos prisioneiros trucidados. Fazer de tíbias instrumentos nada mais seria, portanto, do que uma expressão primitiva de impulsos que continuavam a existir, de forma mais desenvolvida, no homem da sociedade civilizada, no caso, o da necessidade da glorificação de líderes para as nações e para a sua defesa e expansão perante o inimigo.
Singularmente, a flauta de osso indígena passava, assim a servir como comprovante de uma visão por assim dizer imperial do homem e da sociedade. Estudar o índio e a sua música significaria investigar os rudimentos de procedimentos sociais do homem. Seria, portanto, de grande interesse esclarecedor para a sociedade.
Criação de um imaginário histórico dos indígenas Tudo indica que Debret já veio ao Brasil com a idéia de retratar uma "história dos selvagens", obtendo logo os primeiros materiais para tal obra. Dois dias após a sua chegada no Rio de Janeiro teve a oportunidade de ver indígenas Botocudos recém-trazidos à capital por um comandante.
Nessa época, os Botocudos do litoral da Bahia, da região de Belmonte, dominavam em parte as atenções dirigidas aos índios, pois tinham sido pacificados apenas em 1812. Debret desenhou-os com cuidado, recebendo informações suplementares acerca dos seus costumes. O acaso levou-o, assim, a iniciar, no centro da capital, uma coleção particular de materiais indígenas, coleção que devia vir a completar com objetos adquiridos através de viagens no interior do país.
Imagens de culturas indígenas do Leste do Brasil Alguns anos mais tarde, logo após a proclamação da Independência, Debret teve novamente a oportunidade de observar de perto indígenas provenientes da região leste do Brasil. Em 1823, um coronel de milícias trouxe, da província de Minas Gerais, Botocudos, Puris, Patachós e Machacalis/Gamelas para o Rio de Janeiro. Muitos deles já compreendiam algo de português, de modo que havia a possibilidade de comunicação, ainda que de modo sumário. Numa ilustração referente a uma família de um chefe Camacã preparando-se para uma festa, Debret retratou um índio com instrumentos musicais (Nr. 3).
Imagens de expressões culturais de índios integrados Além das observações ao vivo desses grupos ainda pouco integrados da Bahia e Minas Gerais, além dos dados obtidos de informantes a respeito da vida indígena tradicional, Debret teve a possibilidade de observar indígenas provenientes de diversos grupos já integrados na sociedade brasileira. Entre esses devem ser mencionados os Carirís (da Pedra Branca), habitantes no município de Cachoeira, na Bahia, cristianizados e que, como soldados, todas as noites se reuniam para a Ave-Maria, no Rio de Janeiro, onde constituiam boa parte da artilharia.
Elementos desse povo se destacavam, na Bahia, no combate aos africanos que fugiam do cativeiro e se internavam nas florestas. Aliás, tal atividade de índios cristianizados parece ter sido comum em aldeamentos nas várias regiões do Brasil, originalmente, porém, dirigida contra índios arredios, no sentido de impedir que atacassem os povoados. Para os habitantes e as autoridades governamentais, era nessa atuação de índios cristianizados que residia o principal interesse prático da existência de aldeamentos. Nas regiões de grande porcentagem de escravos africanos foram empregados na procura de foragidos, o que, naturalmente, contribuiu para o surgimento de uma certa animosidade entre índios e africanos, fato que não tem sido suficientemente considerado. Aliás, Debret tece pormenorizadas considerações a respeito do valor do índio civilizado como intérprete e guia, descrevendo a técnica do contato. A observação de costumes de indígenas em vários graus do processo integrativo podia ser feito, assim, na própria capital. Aliás, os dirigentes das província passaram nessa época a enviar deputações de índios ao Rio de Janeiro para a solicitação de instrumentos de trabalho ou armas.
Em fins da década de vinte do século XIX, famílias de índios civilizados podiam ser encontradas comumente no Rio de Janeiro. O Museu de História Natural, no Palácio de São Cristóvão, enriquecia dia a dia a sua coleção através dos presentes trazidos pelos índios.
Pintura etnográfico-histórica e glorificação de feitos heróicos
Assim, em 1827, o chefe da tribo dos Tucupecuxaris do Mato Grosso assinou uma aliança de paz e foi batizado, sendo a sua vestimenta enviada ao Museu. Debret baseou-se nesse traje e em informações que obteve do Governador para a cena que criou para ilustrar o sinal de combate e de retirada dos Coroados. De acordo com o costume, o chefe dava sinal de combate ao som da trombeta e continuava a tocar esse instrumento até o momento em que desejava ordenar o término das hostilidades. O silêncio do chefe tornava-se, assim, necessariamente o sinal da retirada.
Essa referência, embora proveniente de informação indireta, assume interesse no estudo da música instrumental no âmbito das atividades guerreiras dos indígenas: ela indica que os combates, no caso, realizavam-se ao som do instrumento, sendo, assim, acompanhados musicalmente, o que, similarmente à tradição da música militar das sociedades civilizadas, servia para incitar e manter os ânimos, encorajando os combatentes. A cena retratada por Debret, porém, deve ser também aqui apreciada dentro do seu contexto histórico-artístico, na tradição da pintura de glorificação de feitos militares no espírito napoleônico: o instrumento musical indígena surge aqui como instrumento expressivo, como meio de impressionar moralmente o observador. Ainda com referência às culturas indígenas do Mato Grosso, cumpre citar a cena criada por Debret para retratar um chefe Guaicurú. O artista apresenta instrumentos de cordas europeus na parede da moradia, o que indica o já adiantado estado de integração cultural desses índios na sociedade brasileira. Se, porém, o quadro do sinal de guerra dos Coroados pertence à categoria de engrandecimento heroizante de feitos históricos, esta obra de Debret deve ser apreciada sob a perspectiva da arte do retrato de caracterização sensível do homem no ambiente de sua vida quotidiana.
O interesse organológico de Debret manifesta-se também na prancha dedicada à retratação de cetros e vestimentas de chefes indígenas, na qual apresenta instrumentos de música existentes no Museu de História Natural (Nr. 33). Mais uma vez, portanto, os instrumentos surgem em contexto determinado pelo interesse voltado a sinais de liderança e a circunstâncias militares. Aqui cumpre salientar a atenção que Debret dedicou ao som produzido por esses instrumentos, também aqui considerando o efeito que produziam, ou seja, a ação que desencadeavam naqueles que os ouviam.
Para isso, certamente os experimentou, pois fala do "som belo mas grave" da trombeta militar dos Coroados, cujo bocal seria "comodo e pouco fatigante, bastando fazer vibrar os labios ao soprar". Dá também a maneira de execução da "Herechedioca", instrumento dos Camacãs-Mongoiós; descreve a flauta dupla feita de duas tíbias humanas ou de veado que usavam pendurada ao pescoço como instrumento militar; trata do "Okekhiek", instrumento dos mesmos Camacãs-Mongoiós, "igual ao maracá, ídolo doméstico dos Tupinambás carregado pelos seus sacerdotes ou feiticeiros"; descreve flautas Pã e compara o som de menor efeito - mas mais vibrante - de pequenos cocos em instrumentos de percussão do que aquele produzido pelo casco de tapir ou pela casca rugosa de um pequeno fruto que produziria um som bastante agudo. Debret compreendia as guerras intertribais como sendo expressão de um espírito aristocrático nascido do amor à honrarias. Do ponto de vista religioso, realçava a existência da idéia de Deus como a primeira de todas as virtudes, citando, em nota, algumas aldeias de índios civilizados do Ceará e vaqueiros do Piauí descendentes dos Tabajaras que, embora cristãos, ainda venerariam o Maracá, "divindade de seus antepassados". Para Debret, o índio, privado dos princípios da moral, seria escravo de suas tendências, de seus instintos e de seus sentidos. Tratando do respeito concedido aos velhos entre os Botocudos, cita o encargo de acompanhar os guerreiros até o campo de batalha para entoar o hino de combate, cujas palavras seriam enérgicas, enquanto que a melodia seria monótona, "verdadeira salmodia" que se limitaria ao espaço de três ou quatro notas. Ela seria executada com voz rouca e trêmula. O índio se apresentaria exteriormente como uma mistura de tristeza e apatia; revelar-se-ia observador e desconfiado; essa calma aparente daria lugar, repentinamente, a movimentos caracterizados por uma alegria convulsiva que se manifestava por meio de gritos, cantos, contorções e saltos. Dessas manifestações, menciona o "Giacacoa", um combate simulado, dança-luta dos Botocudos. Refere-se também, pormenorizadamente, à dança dos Coroados de Minas Gerais: "(...)O divertimento mais comum é a dança. Na maioria das vezes não passa de um passeio a passos curtos, feito em fila e, no qual as personagens saltam alternativamente sobre um e outro pé. A medida é dada pela música, cujo movimento moderado é marcado por duas batidas rápidas e uma mais lenta, em seguida. Seu canto resume-se apenas a uma sílaba articulada em dois tons sucessivos, em obediência aos tempos do compasso. Os instrumentos são formados de diferentes objetos sonoros, coloquíntidas secas, carapaças de tartaruga, etc., que seguram numa das mãos, como nosso triângulo, nos quais batem com a outra com uma vareta. A fila de dançarinos, composta por homens e mulheres, gira sem solução de continuidade em torno de um enorme recipiente de dois ou três pés de altura, e de largura proporcional, previamente enchido do apetitoso licor chamado cauim." "Nada pode fazê-lo parar de dançar, nem mesmo o calor do dia; quando o suor escorre de seus corpos, param, por intervalo, a fim de sorver um trago de licor, mediante um pedaço de coloquíntida à guisa de xícara; tomam assim novas forças e continuam seus exercícios que se prolongam noite afora até esvaziar-se o vasilhame. Nas ocasiões solenes esses divertimentos duram vários dias e várias noites." (Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil I, Trad. Sérgio Milliet. Belo Horizonte; São Paulo, 1978, 42-43) Debret dá também atenção aos idiomas indígenas, tratando de questões relativas ao vínculo entre a língua e o canto. O idioma do Botocudo exprimiria pelo aumentativo ou diminutivo a intensidade da ação, "ong" significaria falar; cantar seria "ong-ong", de modo que a repetição da palavra, neste caso, provaria que o canto seria uma progressão da palavra. (op.cit. 44)
Sensibilidade estética do homem natural A concepção de Debret, segundo a qual o homem natural possuiria, em estado germinal, as qualidades e os defeitos do homem civilizado, tinha também uma dimensão filosófico-estética na consideração da arte indígena. Assim, Debret apresenta músicos da Missão de São José, procurando demonstrar a existência de uma "delicadeza inata do gosto" entre os indígenas, tanto pela regularidade simétrica das linhas de sua tatuagem quanto pela imitação da indumentária militar européia.
As observações feitas pelo artista neste contexto, assumem relevância para os estudos histórico-musicais e etnomusicológicos. Ele salienta que tais índios de"civilização antiga", menos musicistas do que os Guaranis, teriam apenas o tambor como instrumento de dança. Com isso, Debret sugere também a existência de uma diferença de tradições musicais entre os indígenas influenciados pelos europeus e que pode oferecer uma chave para a interpretação de expressões culturais de outros grupos, de outras regiões e épocas.
O tambor (com a flauta), seria indicativo de processos de assimilação cultural mais antigos, realizados em passado mais remoto em aldeias e povoados. Deles se distinguiam claramente os indígenas que mantinham tradições musicais que remontavam à ação dos jesuítas nas missões do Paraguai. Podia-se distinguir assim, na época, duas esferas distintas e caracterizadoras da cultura de cunho indígena na sociedade brasileira, identificáveis sobretudo pela prática musical.
Imagens da cultura musical dos Guaranís
Em 1829, Debret teve contacto com índios de nação Guaraní provenientes de Mogí das Cruzes e que tinham vindo ao Rio de Janeiro com o finalidade de servir no combate e aprisionamento de escravos africanos foragidos. De extraordinária importância é o testemunho do artista a respeito das aptidões musicais dos Guaranís. Segundo ele, seriam todos músicos, fabricando eles próprios violões, rabecões, violinos e flautas sem chaves. Esses instrumentos seriam rústicos, não invernizados, e teriam cordas de seda vermelha. Nos domingos e dias de festa, era costume pagá-los para que cantassem nas igrejas. Nessas execuções, acompanhavam-se a si próprios, entoando cantos que os seus antepassados tinham aprendido com os missionários da Companhia de Jesus. Debret registra, assim, explicitamente a continuidade de uma tradição secular, salientando que as palavras e os cantos perduravam pela tradição após trezentos anos de início do trabalho missionário. Essa tradição dizia respeito também a danças e folguedos religiosos. Sobretudo por ocasião do Natal, chegavam à cidade inúmeras famílias indigentes de Guaranís, cujos filhos, grotescamente fantasiados, executavam danças ao som de instrumentos tocados pelos velhos que os acompanhavam. Esses divertimentos representavam um meio de angariar esmolas. A menção dessas danças, fazendo parte dos festejos lúdicos da época do Advento e do Natal, indicam a importância extraordinária que tais folguedos tinham tido nas missões do Paraguai. É significativo e compreensível o fato de serem executados por meninos e serem qualificados de grotescos. Representavam, certamente, o homem novo, recém-nascido pelo batismo e/ou pelo sacramento, para o qual o homem velho, carnal, surge como grotesco. De particular significado é a menção de que tais índios cristãos, empregados muitas vezes como soldados ou caçadores de fugitivos, vinham de São Paulo, em particular de Mogí das Cruzes. Isso sugere a importância na prática sacro-musical de São Paulo de índios trazidos do Paraguai no âmbito das expedições paulistas do passado ou que de lá vieram após a expulsão dos jesuítas.
Imagens das culturas indígenas do Amazonas Quanto à cultura indígena da região amazônica, cumpre citar as obras de Debret que retratam os tipos de máscaras indígenas do Museu Imperial de História Natural do Rio de Janeiro, provavelmente provenientes dos Ticunas. Na cena de um cortejo de máscaras, a mulher que abre a procissão é representada significativamente com um instrumento musical. Ela traz na mão direita um instrumento feito de carapaça de tartaruga, no qual bate com uma vareta que carrega na outra mão. Essa cena retratada por Debret inclui, com esse detalhe, um elemento de alto valor iconográfico. Aqui surge, sob a perspectiva da Pintura Histórica e, portanto, da determinação de imagens, o símbolo da tartaruga ou do jabuti, símbolo intimamente vinculado com concepções musicais, já reconhecido como tal por pensadores do século XVIII e que iria continuar a despertar a atenção dos estudiosos da mitologia do século XIX.
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